Governo Lula já trata tarifas como realidade e não espera recuo de Trump
- Diário do Brejo

- 20 de jul.
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Integrantes do governo Lula tratam as tarifas anunciadas por Trump como realidade e veem pouca chance dos EUA recuarem por enquanto

Integrantes do círculo mais próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já trabalham com a hipótese de que o presidente americano, Donald Trump, não recuará desta vez e que as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros anunciadas por ele deverão, de fato, entrar em vigor a partir de 1º de agosto.
Oficialmente, porém, o governo ainda aposta em uma saída via negociação, apesar de ver a possibilidade de um acordo distante, neste momento.
Segundo três fontes ouvidas pela BBC News Brasil em caráter reservado, os sinais enviados pela Casa Branca nos últimos dias foram interpretados no Palácio do Planalto como demonstrações de que, ao menos por enquanto, o governo americano estaria disposto a levar as ameaças de tarifas sobre produtos brasileiros adiante.
Entre estes sinais estão as declarações e postagens de Trump sobre o Brasil nos últimos dias e a decisão do governo norte-americano de revogar vistos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles, Alexandre de Moraes, e para o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.
A possibilidade de um recuo de Trump, total ou parcial, ainda não é totalmente descartada por integrantes do governo, uma vez que Trump voltou atrás em outros casos como no das tarifas impostas à China e a outros parceiros comerciais desde que iniciou sua nova política tarifária, em abril deste ano.
Mas segundo as fontes consultadas pela reportagem, a possibilidade de uma flexibilização das tarifas ou mesmo um adiamento no caso brasileiro teria ficado mais distante nos últimos dias. Com pouco mais de 10 dias até a data estipulada por Trump para o início das tarifas, o governo pretende manter sua atuação em três pilares:
Sem recuo à vista
Interlocutores do presidente sempre trataram um eventual recuo de Trump em relação às tarifas como uma possibilidade não tão remota assim.
Esse foi um dos motivos, inclusive, pelos quais o governo tem evitado falar, de forma direta, de que maneira o governo retaliará caso as tarifas entre, de fato, em vigor.
Em conversas informais, alguns deles lembravam a retórica do norte-americano em relação à China, México ou Canadá, três dos primeiros e principais alvos da política tarifária do presidente norte-americano.
No caso da China, Trump começou anunciando tarifas de 10% que foram subindo até chegarem a 145%.
Após a China responder elevando suas tarifas sobre produtos norte-americanos e impondo restrições à exportação de terras raras aos Estados Unidos, os dois países chegaram a um acordo e as tarifas a produtos chineses ficaram em 55%, em média.
Trump também fez recuos em relação à União Europeia. Após anunciar tarifas de 50% sobre os produtos do bloco, em maio, ele adiou o início da cobrança das tarifas para o dia 9 de julho. Agora, a administração norte-americana negocia taxas sobre os produtos do bloco entre 15% e 20%.

Mas segundo as fontes ouvidas pela BBC News Brasil, a possibilidade de recuo parece cada vez mais remota no caso brasileiro.
A principal razão para isso estaria na motivação principal das tarifas ao Brasil.
Um interlocutor do presidente afirmou que, diferentemente do que aconteceu com outros países, as tarifas de Trump ao Brasil teriam motivação essencialmente política e não econômica.
Uma comprovação disso, segundo ele, seria o fato de que o Brasil tem déficit comercial US$ 410 bilhões com os Estados Unidos nos últimos 15 anos. A outra suposta comprovação desta tese é o fato de Trump ter vinculado, explicitamente, as tarifas sobre produtos brasileiros ao julgamento pelo STF no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é réu.
Nenhuma das cartas divulgadas por Trump anunciando tarifas, diz esse interlocutor, mencionou qualquer fator da política interna dos países para justificar as tarifas.
À medida que os Estados Unidos vincularam as tarifas ao fim do processo criminal contra Bolsonaro, afirma esse interlocutor, não haveria como acreditar que os norte-americanos estariam de fato interessados em algum tipo de negociação.
E sem negociação, seria difícil supor que Trump possa recuar, apontou a fonte ouvida pela BBC News Brasil.

Negociação, sensibilização e… retaliação
Com a possibilidade de recuo aparentemente distante, o governo mantém a estratégia de tentar manter, ao menos oficialmente, os canais de negociação com Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), conduzidas atualmente pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB).
Desde o anúncio das tarifas, o governo vem realizando reuniões com representantes de setores econômicos como indústria, agronegócio e mineração para estudar alternativas às tarifas e estratégias para tentar revertê-las.
Um dos focos do governo, segundo um dos integrantes do governo ouvidos pela BBC News Brasil, é fazer com que os empresários brasileiros acionem seus clientes nos Estados Unidos para que eles possam convencer parlamentares e membros do governo norte-americano sobre os impactos das tarifas a produtos brasileiros.
Uma das apostas tem sido a reforçar a tese de que as tarifas ao Brasil terão impactos diretos em aspectos corriqueiros da vida do norte-americano médio como o café da manhã, à medida em que produtos como o café e o suco de laranja brasileiros chegarão ao país mais caros.
Outra via que está sendo explorada é o envio de uma missão parlamentar aos Estados Unidos, liderada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS).
Um grupo de oito parlamentares vai a Washington nos próximos dias para tentar convencer parlamentares norte-americanos e pressionar o governo Trump contra as tarifas.
Um membro do governo ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado disse que estabelecer canais de comunicação com o governo Trump tem sido uma das principais dificuldades encontradas pelo governo.
Segundo ele, as decisões sobre as tarifas não teriam sido definidas por meio dos canais tradicionais como a equipe profissional do Departamento de Estado ou mesmo do USTR, com quem o governo brasileiro vinha mantendo contato desde o início do ano.
Em vez disso, continua o integrante do governo, a decisão parece ter sido tomada por um grupo mais próximo ao presidente e politicamente vinculado à família Bolsonaro.
Essa influência política estaria sendo potencializada pela atuação do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se mudou para os Estados Unidos no início do ano.
Ao mesmo tempo, equipes do Ministério da Fazenda, do MDIC e da Presidência da República continuam estudando medidas a serem utilizadas para uma eventual retaliação prometida por Lula.
Em seu pronunciamento em rede nacional de TV, na semana passada, Lula disse que o país buscaria formas de reagir às tarifas. Ele classificou as tarifas como uma "chantagem inaceitável".
"Se necessário, usaremos todos os instrumentos legais para defender a nossa economia. Desde recursos à Organização Mundial do Comércio até a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional", disse o presidente.
Ainda na semana passada, o petista mencionou que o governo avalia aumentar a taxação de plataformas de tecnologia.
"O mundo tem que saber uma coisa: esse país só é soberano porque o povo brasileiro tem orgulho desse país. Eu queria dizer para vocês que a gente vai julgar e vai cobrar impostos das empresas americanas digitais", disse Lula em um evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Goiânia, na quinta-feira (18/7).
A medida, porém, parece não ser consenso dentro do governo.
Após a fala do presidente, no sábado (19/7), o Ministério da Fazenda postou uma mensagem em suas redes sociais negando a proposta.
"O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nega que o governo brasileiro esteja avaliando a adoção de medidas mais rigorosas de controle sobre os dividendos como forma de retaliação às taxas adotadas pelos Estados Unidos e reafirma que essa possibilidade não está em consideração", disse a postagem.
Um interlocutor do presidente ouvido pela reportagem afirmou que o governo não pretende divulgar informações sobre os setores que podem vir a ser retaliados antes que a decisão já tenha sido fechada e aprovada pelo presidente.
Segundo ele, como o cenário é imprevisível e novas tarifas ou sanções não estão descartadas, o governo quer evitar dar pistas sobre que rumos pretende tomar como retaliação.
Apesar disso, rumores apontam que o governo poderia retaliar os Estados Unidos em áreas como a quebra de patentes de medicamentos ou na de direitos autorais de produtos audiovisuais.




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